sábado, 31 de outubro de 2009

O Ermitão - Parte I

Ele vivia no apartamento 207 no residencial Santa Lúcia, onde todos os apartamentos tinham o mesmo formato: quarto, sala-cozinha, banheiro, área de serviço, quatro portas, duas janelas.
Visto por dentro, poderia facilmente ser comparado com uma gaiola de hamsters. A comparação seria completa se um dos moradores adquirisse uma esteira para a prática de exercícios.
Outra característica interessante deste conjunto de pequenos aquários humanos consiste no fato de que os apartamentos estavam dispostos espacialmente de maneira tal que era possível todos observarem o que acontecia na frente da casa de todos. Vista de cima, parecia-se com um 'C'.
Um ambiente meio inóspito para o Senhor 207, morador mais antigo do Santa Lúcia.
Ainda assim, lá ele se escondia já por alguns anos.
Nenhum dos outros moradores o conhecia, nem de vista.
Certa vez, Dona Paulínia - a mais curiosa e dada a conversas sobre a vida alheia - que morava no 105, perguntou ao proprietário da vila qual era o nome do morador do 207. Alegava ela que era impossível viver num lugar onde alguém misterioso se escondia.
"Vai que este homem - ou mulher, sei lá - no final das contas seja algum maníaco!"
Depois de muito tempo de incômodos telefonemas e visitas pessoais da parte de Dona Paulínia, o proprietário resolveu dizer o nome que constava no contrato.
Um nome simples para alguém que levava uma vida reclusa e causava espanto e curiosidade monstruosa em todos os que algum dia passaram pelo residencial.
Conhecido como O Eremita, o morador do 207 chamava-se Pedro Silva.
Já faziam alguns anos que Pedro não recebia correspondências nem qualquer tipo de cobrança ou propaganda em sua caixa postal. Eis um dos motivos pelo qual Dona Paulínia nunca soube seu nome, mesmo tendo revirado todas as correspondências de quase todos os moradores nos últimos 5 meses - com exceção do Senhor Peçanha, policial militar, morador do 107 - levando-a a buscar respostas diretamente com o proprietário.
O Senhor 207 também não recebia visitas de amigos, familiares ou conhecidos.
A única exceção a esta regra era a visita de Chico - rapaz que trabalhava na venda do Seu Manoel já por alguns anos - e era o Relações Públicas de Pedro: era ele quem lhe trazia as compras do mercado, as contas do mês e retirava seu lixo pra fora.
A forma como Chico e Pedro se tornaram - de certa forma e usarei este termo por ser o mais próximo possível - 'amigos' é uma história para se contar em momento oportuno.
Uma vez por mês, Chico chegava no Residencial, sacava seu molho de chaves, abria o portão, cumprimentava alguns moradores da vila, se dirigia a porta 207, se colocava diante do olho mágico, uma pequena comporta se abria na parte inferior da porta - semelhante a uma gaveta - onde um saco de lixo aparecia junto com um pedaço de papel impresso informações bancárias de transferência on-line, Chico retirava o saco e o papel, colocava as compras e as contas na gaveta, a gaveta se recolhia, Chico dava meia volta e ia embora.
Várias vezes Dona Paulínia tentou tirar alguma informação que lhe pudesse ser 'útil' a respeito do morador do 207, mas sempre sem sucesso: Chico também nunca havia visto o Senhor Pedro.
A rotina do Senhor 207 pode ser descrita da seguinte forma, conforme relatos de Dona Paulínia: Todos os dias, exatamente às 6:00, ouvia-se algum tipo de música sendo tocada no apartamento 207 - ele tinha uma preferência pelo bom e velho Jazz, de Nat King Cole a Pat Martino - normalmente num volume meio incômodo para os vizinhos, ao meio-dia a música parava por uma hora e meia e retornava precisamente às 13:30 e só parava às 22:00 quando as luzes se apagavam no apartamento 207 e todo e qualquer ruído também cessava.
Dona Paulínia, e alguns dos outros moradores, tentaram reclamar com o morador do 207 sobre o volume do som. Logicamente sem sucesso. No final de alguns meses, todos eles terminavam por se acostumar com aquele ritmo sonoro, como se morassem ao lado do metrô ou de um aero-porto.
Certa vez, por conta das exaustivas reclamações de Dona Paulínia, o proprietário tentou entrar em contato com Pedro da Silva, também sem sucesso: fora recebido com um silêncio violentíssimo. Eram 13:00.
A existência de tão ilustre e excêntrico morador acabou chamando a atenção da mídia local, que já fez alguns noticiários e pensa em realizar um documentário sobre as possíveis causas que levaram o Senhor 207 ao total isolamento no Residencial Santa Lúcia.
Interessante mesmo foi quando alguns dos moradores da cidade fizeram uma vigília pela alma do Eremita, com velas e cânticos, na tentativa de chamar sua atenção por despertar algum instinto de coletividade ou espiritualidade. Depois de não conseguir absolutamente nada com tal comportamento, esse mesmo povo passou a divulgar a idéia de que o Senhor 207 fosse um representante do Diabo na Terra, usado para desviar as pessoas do bom caminho e que seu apartamento era um portal para as profundezas do Inferno.
Dizem os vizinhos de parede que ouviram algumas gargalhadas lá dentro por ocasião desta cruzada, mas ninguém tem certeza de que fosse esse o real motivo das risadas.
Alguns moradores, como o Peçanha, se perguntavam de onde vinha o dinheiro que o Senhor 207 utilizava para pagar suas contas e comida. Outros queriam saber quem ele era, qual a sua história, como ele foi se enclausurar desta forma. Dona Paulínia queria saber isso e muito mais.
Não saber a deixava completamente irritada e em estado de nervos a flor da pele. Até seu marido queria saber logo alguma coisa sobre o Senhor 207 apenas para que a mulher saísse do estado em que se encontrava e lhe desse algum momento de paz.
A curiosidade reinava e parecia que jamais alguém poderia saber o que acontecia ali de verdade.
O fato era que o apartamento 207 chamava a atenção de todos e, segundo Dona Paulínia, uma empresa de turismo local cogitava a possibilidade de transformá-lo em ponto turístico.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Todo o povo tem o Governo que merece...

Eu sempre costumo me irritar com as pessoas em suas posturas viciadas e prontas para a crítica desenfreada e sem argumentos sólidos.
Somos cercados pela infantilidade e o império do achismo por todos os lados.
Um grande festival de novos pseudo-intelectuais sendo seguidos como se fossem a "salvação da lavoura", prontos para enfiar seus "terríveis" discursos em letras garrafais nas malhas intermináveis da grande rede.
Agora a pouco, lendo uma reportagem do LINK (no site do Estadão) a respeito de uma mulher que fora condenada por ter enviado um "poke" para outra pessoa. Ela estava sobre restrição, em resumo, e não poderia se contactar com a outra pessoa sob nenhuma outra forma, o que ela desrespeitou mediante esse aplicativo no Facebook.
O ponto que quero ressaltar são os comentários dos inúmeros leitores do blog.
Todos aplaudindo a eficiência e a "tolerância zero" da "justiça" Norte-Americana, como uma espécia de modelo a ser seguido aqui em terras Tupiniquins.
Acontece, e sei que poderei sofrer algumas críticas por conta disso, que nossos políticos e serventuários públicos são, nada mais nada menos, que um resumo do que é a maioria de nossa população: um gigantesco aglomerado de pessoas corruptas, medíocres, consumistas e violentamente voltados para a Lei de Gerson (Tirar vantagem em tudo).
Estou sendo duro ao dizer isso?
Claro que não, apenas realista.
Quem votou em Sarney, Renan Calheiros, Carlos Bezerra, Delfimm Neto, Fernando Collor de Mello, entre tantos outros?
Eu não, certamente, e sei que uma pequena minoria, ciente de suas obrigações reais para com o bem-estar da nação também se recusou a fazê-lo.
Mas o resto do povão, dos que acham que "qualquer um tá bom", que não conseguem ver outras formas de sairmos da "merda" (perdoem o uso da palavra, por falta de algo mais intenso) sem ser pelos braços de algum "senhor alinhado", que critica as próprias escolhas que fazem mas sem nunca conseguir entender porque as fazem, que se sujeita, humilha e vende-se por muito pouco, estes estão bem representados lá "em cima".
No caso dos serventuários do Poder Judiciário, também são um retrato nosso, afinal, eles são brasileiros e chegaram lá mediante concurso público, mas de uma forma diferente.
Em sua maioria, tiveram acesso a informação, boas escolas e cursos preparatórios, boa formação familiar, ou seja, são uma parte da elite.
Se fazem as "cagadas" que fazem, se tomam decisões que privilegiam pessoas que deveriam ser vistas pelos rigores da Lei, se fazem de sua função pública um instrumento de dominação e fetiche de poder, só o fazem porque essa é a mentalidade da nossa elite, não muito diferente da do restante do povão.
Ou seja, no Brasil, devemos começar a limpeza da casa pelos que moram nela, incentivá-los a tomarem um banho decente antes do processo de limpeza geral.
De outra forma, o País não muda, as Leis não significam nada, Injustiças continuarão existindo e se espalhando como viroses normais na população, a Violência nunca terá fim.
Somos todos capazes de dar o primeiro passo, mas por que, então, ainda não começamos?