quarta-feira, 26 de maio de 2010

Produto

Existe uma névoa que tomou conta da paisagem cultural, social, política, religiosa entre outros cenários possíveis da experiência humana.
A mesmice.
Mas ela atende interesses maiores e tem um objetivo muito específico.
Ela preenche espaços que antes eram vagos para toda e qualquer manifestação possível.
Hoje, apenas a mesmice reina.
Ela infesta nossos lares por meio de vários vetores possíveis, transforma todas as nossas vontades em fonte de novos Produtos, sejam eles quais forem.
O Produto, esse elemento presente no nosso dia-a-dia de maneira tão intensa e ainda assim quase imperceptível devido a banalização de seu conceito.
Gosto de tomar como exemplo a música, que é onde o Produto atingiu o estágio máximo de volatilidade planejada.
Surge um grupo do seu estilo musical predileto. Alguém percebe que eles conhecem a fórmula do produto muito bem, mas precisam ser melhores trabalhados. O empresário, gravadoras e demais dententores dos meios de transformar este grupo num Produto de 'excelente' qualidade (de acordo com os parâmetros do mercado, relação custo/benefício, etc) fazem a lição de casa e o grupo, agora mais um Produto, chega onde se espera: nas residências dos consumidores ávidos pelos novos produtos.
Contudo, o Produto sempre tem a mesma composição, afinal, não seria interessante entrar no mercado com um produto que fosse totalmente diferente. Se o sabão em pó Xoxo tem o elemento X, os fabricantes do sabão em pó Toto irão desenvolver um elemento T como diferencial, mas todo o resto será o mesmo e os efeitos do produto deverão se mostrar extremamente parecidos, a não ser pelo preço obviamente.
O Produto precisa seguir a Fórmula, por ser ela o mais eficaz e adequado método para se obter o desejo dos Alquimistas Minoritários.
Não há que se falar em plágio, cópia ou outra palavra que possa dar a idéia de que os Produtos são magnificamente iguais. Não, os Produtos são vendidos com eslogans vivazes, propagandas coloridas, dilúvios de sensações de uma satisfação que até agora nós não tinhamos. E todas nos dão a impressão maravilhosa de que são Produtos diferentes em sua escência e que ninguém dá o 'colorido mais colorido'.
E assim, a névoa ancorou em nossos sonhos e nos sussurra doces mentiras e fetiches de consumo que nunca os teríamos se não fosse pelos interesses dos Fabricantes de Produtos em fazer com estes cheguem até nós.
Novos modelos de carros, de bandas, de comidas, roupas, educação, de prazeres, de medicamentos entre outros, nos são apresentados diariamente para nos dizer que nossa vida não presta se não temos o Produto.
Enquanto nos deslocamos em direção à proxima loja de Produtos, a névoa continua sua jornada silenciosa de avanço e conquista no imaginário e coração dos pobres seres humanos, escravizados e impotentes diante da monstruosidade que nos fizeram viver a tanto tempo.
Ainda assim, estes laços permeia nossos genes, nossa história de vida, nossas opiniões.
E não temos a menor possibilidade de nos afastarmos dela, assim me parece.

terça-feira, 25 de maio de 2010

"Posso dormir aqui com vocês?!"

Eu não conseguia dormir.
Ficava vendo as sombras nas janelas numa dança frenética e violenta.
Pareciam querer destroçar os vidros que as separavam de meu quarto.
Assustado, levantei-me e, tropeçando em móveis e objetos desconhecidos espalhados pela casa, tentei alcançar o quarto de meus pais.
Posicionei-me cuidadosamente do lado de minha mãe e, cutucando-a levemente, perguntei se poderia dormir com eles.
Ela acordou um pouco grogue, mas percebendo que eu estava amedrontado e que não iria dormir de outra forma ela, cuidadosamente, colocou-me no meio dos dois.
Deu-me um forte abraço e me cobriu com carinho e cuidado.
Eu tinha 6 anos de idade.
A maior parte das pessoas, e eu me incluo neste grupo, vive suas vidas da melhor maneira que puderem.
De acordo com a lei do sistema em que nos encontramos imersos, somos obrigados a nos virar sozinhos a maior parte do tempo.
Embrutecemos nossas fisionomias para nos dar uma sensação de que estamos seguros e que nada irá nos atingir.
Fingimos a maior parte do tempo em boa parte de nossas iterações sociais.
Passamos a mensagem de que estamos bem e que podemos, até mesmo, ajudar alguém que se encontre em situação difícil.
Mas temos aqueles dias em que nossos escudos parecem estar avariados e nosso sistema reserva de energia encontra-se no fim de sua carga.
Em momentos como esse, que são raros de acontecer mas nem por isso são menos intensos e violentos, ficamos completamente sucetíveis a qualquer um e qualquer coisa que possa vir a nos ferir.
E tudo o que mais precisamos é de um colo confortável, amável e seguro.