sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sistema de vida miserável

Ela era extremamente neurótica.
Tinha um pavor irracional de ser atacada a qualquer momento por indivíduos desconhecidos vindos de algum lugar para lhe fazerem algum tipo de maldade.
Trancava a porta, as janelas, ligava o sistema de alarmes comprados pela internet e configurados pessoalmente a fim de não dividir com ninguém os segredos do dispositivo, conferia a porta, testava as janelas, tentava desarmar os dispositivos com métodos que, segundo a crença dela, talvez um ladrão ou estuprador pudesse tentar utilizar.
Sua vida era de uma sistematicidade monstruosa e quase infalível.
Era normal que ela acordasse às 6:35, perdesse dois minutos se espreguiçando e desejando não acordar mais, 6:40 já estava debaixo do chuveiro escovando os dentes e matutando quais as tarefas do dia, 6:55 estava tomando sua refeição matinal de cereais e frutas, 7:00 estava na estrada no seu pequeno automóvel parcelado em 70 suaves parcelas, 7:40 estava no serviço e batia o ponto religiosamente às 7:45.
Daí em diante, tudo seguia ritos e metodologias complexas para manter sua sincronia com o que ela gostava de chamar de "seu mundo".
Dificilmente aceitava alguma atividade que estivesse fora de sua alçada e que tomasse algum tempo a mais no seu cronograma.
O chefe já nem ligava mais, apenas lhe dando as tarefas costumeiras das quais ele sabia que ela era imprescindível: agenda humana de eficiência total e atendimento telefônico paranóico.
Ela detestava atender o telefone, mas era paga para isso e se sentia na obrigação de bem fazê-lo.
Pensava nos sinais sonoros que aquele aparelho costumava lhe impingir em seus cansados e preocuados ouvidinhos.
"Malditos sinos" - pensava. "Ainda queimo todos os circuitos dessa budega!"
Falava poucos palavrões e dificilmente se relacionava com os parceiros de trabalho.
Era ela e somente ela imersa naquele mundo que não era o seu.
Tinha vontade de escapar para a segurança confiável de sua residência, mesmo temendo pelas possíveis falhas (e estando preparada para a maioria delas). Era lá que ela podia ser ela mesma, estar viva e confiante de suas possibilidades dentro daquelas imensas quatro paredes que lhe davam a confiança para continuar mais um dia de vida, nisto que ela costumava chamar de "tortura necessária".
Cumpria os protocolos sociais: sorria ao dizer bom-dia, apertava a mão de alguém que lhe desse a mão, dava tchau para se despedir, etc.
Mas até mesmo seu protocolos de coexistência pacífica poderia ser quebrado quando a situação exigisse: um sorriso diferente ou escandaloso, uma mão pegajosa, um volume no bolso da calça do rapaz galçanteador(sim, ela prestava atenção, mas pelos motivos errados, digamos dessa maneira - procurava armas!).
E assim, vivia sua vida, perfeita como um relógio.
Tão previsível quanto a programação de domingo na tv aberta.
Chegava em casa por volta das 21:32 e tomava seu banho demorado, sempre começando pela cabeça e terminando com os pés.
Enxugava-se e, às 22:00 já estava jantando algum alimento congelado.
Vestia suas roupas de dormir e se deitava às 22:15, quando começava a bocejar, virava de lado e caia no sono.
Às vezes, ela sonhava.
E em seus sonhos ela frequentava mundos diferentes, tomava decisões diferentes, podia voar, destruir as coisas com apenas um pensamento, podia ficar sozinha no planeta e ser feliz a sua maneira, sem medos e receios. Nem protocolos.
Ao acordar as 6:35, ela sempre deseja não estar acordada enquanto se espreguiça por dois demorados e sonolentos minutos antes de recomeçar a rotina da programação que era sua vidinha sistêmica e previsível.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

No tempo do "eu acho"

Pois então, todo mundo "sabe tudo, explica tudo", parafraseando Raul (até eu tenho um blog...).
Mas é bem por aí mesmo.
Tava lendo alguns blogs e vendo comentários em youtube e outros sites sobre o programa "É tudo improviso", que eu, particularmente, gosto muito.
O programa ainda está em fase de adaptação, tentando encontra-se no melhor formato possível, mas muitas das coisas que dão certo são as transportadas do teatro.
Contudo, os comentários das pessoas giram em torno da "voz do Márcio Ballas" ou da Banda Paraquedas, ou da cor do cenário, ou de que é uma imitação do programa da MTV (que por sua vez é uma imitação do show de teatro que já era uma imitação do programa americano, que era uma imitação de uma idéia britânica...e por ae vai!)
Não gostei da banda, não ligo pro cenário, adoro o Márcio Ballas (e aquela voz de pato dele deixa tudo mais escroto ainda, por isso é legal), mas é só a minha opinião.
Não significa que o programa seja, ou não, bom.
Agrada meu paladar e, certeza, de centenas de pessoas que já estavam fartas de Zorra Total, Show do TOm, Praça é Nossa, Pânico entre outros formatos já vencidos e rançosos, e pessoas estas que, em sua maioria, não tinham acesso ao teatro.
Creio que devamos aproveitar o que está nos sendo ofertado e analisar posteriormente, no final do período, contabilizando erros e acertos para só então emitirmos uma opinião realmente decente e abalisada.
O resto é achismo.